Alcance Editores, no alcance de uma educação de futuro
Alcance Editores, no alcance de uma educação de futuro
Alcance Editores, no alcance de uma educação de futuro

A Legítima dor da Dona Sebastião – Lucilio Manjate

José Mateus. É uma rua alcatroada, como a maior parte das ruas da capital. Tem vivendas brancas, castanhas e amarelas. Todas desbotadas. E um prédio de três andares também desbotado e escasso de moradores, como um monstro abandonado e solitário. Talvez porque haja apenas velhos no prédio e os velhos raramente espreitam pelas velhas varandas. Quando o fazem, é sempre à noite, como se espiassem os Homens deste tempo e desta terra. E não demoram, tristes, abanam as cabeças e regressam aos seus asilos. Quando o dia amanhece, as casas tornam-se pálidas e sombrias, e mais velhas, afinal há fendas abertas nas paredes desenhando trepadeiras seculares. Mas este cenário contrasta com o magote de alunos que, de tempos e tempos, hílare, irrompem pela rua a passos estugados, frenéticos como formi- gas, com os livros no regaço ou as sacolas às costas. Quando o sol se deita, a rua tem uma luz amarela. Às sextas-feiras, a luz amarela ilumina os homens sentados no asfalto e no passeio. Na estrada, discutem-se velhas questões. No passeio, os homens riem, comem, bebem, enquanto pelos telhados os gatos miam uma serenata lunar e nos caixotes de lixo os cães ladram o medo do alvoroço invulgar. A Norte, a Rua José Mateus faz um cruzamento com a Rua dos Lusíadas, e a Sul com a Avenida Mártires da Machava. De Norte a Sul, a margem esquerda é uma enfiada de barracas. Na margem direita há quiosques e dois contentores de lixo. As barracas já são de outro tempo, desde o último vicénio do século XX, quando a capital se abria ao mercado. Desse tempo, sobram-me os passeios de sábado à tarde. Passeávamos pelo simples prazer de andar por entre as acácias vermelhas. Íamos dar ao Museu da História Natural e ouvía- mos o uivo dos leões embalsamados, o chirriar dos mochos, o sibilo das serpentes, vencíamos a ameaça dos crocodilos ou, quando banana ainda era fruta, arrancávamos sorrisos rasgados aos maca- cos. O complexo vai sobrevivendo à ameaça de um dia desapare- cer, cedendo o lugar aos projectos que na capital abundam em negoci- atas de salas de café ao fim da tarde, quando o sol não pode descor- tinar as boas intenções de que normalmente se revestem.
As barracas do Museu.

400.00 MT

Descrição

José Mateus. É uma rua alcatroada, como a maior parte das ruas da capital. Tem vivendas brancas, castanhas e amarelas. Todas desbotadas. E um prédio de três andares também desbotado e escasso de moradores, como um monstro abandonado e solitário. Talvez porque haja apenas velhos no prédio e os velhos raramente espreitam pelas velhas varandas. Quando o fazem, é sempre à noite, como se espiassem os Homens deste tempo e desta terra. E não demoram, tristes, abanam as cabeças e regressam aos seus asilos. Quando o dia amanhece, as casas tornam-se pálidas e sombrias, e mais velhas, afinal há fendas abertas nas paredes desenhando trepadeiras seculares. Mas este cenário contrasta com o magote de alunos que, de tempos e tempos, hílare, irrompem pela rua a passos estugados, frenéticos como formi- gas, com os livros no regaço ou as sacolas às costas. Quando o sol se deita, a rua tem uma luz amarela. Às sextas-feiras, a luz amarela ilumina os homens sentados no asfalto e no passeio. Na estrada, discutem-se velhas questões. No passeio, os homens riem, comem, bebem, enquanto pelos telhados os gatos miam uma serenata lunar e nos caixotes de lixo os cães ladram o medo do alvoroço invulgar. A Norte, a Rua José Mateus faz um cruzamento com a Rua dos Lusíadas, e a Sul com a Avenida Mártires da Machava. De Norte a Sul, a margem esquerda é uma enfiada de barracas. Na margem direita há quiosques e dois contentores de lixo. As barracas já são de outro tempo, desde o último vicénio do século XX, quando a capital se abria ao mercado. Desse tempo, sobram-me os passeios de sábado à tarde. Passeávamos pelo simples prazer de andar por entre as acácias vermelhas. Íamos dar ao Museu da História Natural e ouvía- mos o uivo dos leões embalsamados, o chirriar dos mochos, o sibilo das serpentes, vencíamos a ameaça dos crocodilos ou, quando banana ainda era fruta, arrancávamos sorrisos rasgados aos maca- cos. O complexo vai sobrevivendo à ameaça de um dia desapare- cer, cedendo o lugar aos projectos que na capital abundam em negoci- atas de salas de café ao fim da tarde, quando o sol não pode descor- tinar as boas intenções de que normalmente se revestem.
As barracas do Museu.

Avaliações

Ainda não existem avaliações.

Seja o primeiro a avaliar “A Legítima dor da Dona Sebastião – Lucilio Manjate”

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Entrar